Modas, modismos e palha de aço

Por Maria Rita Casagrande para as Blogueiras Negras

Faz uma semana que comecei em um trabalho novo. Voltei para um ambiente que eu já conhecia para receber um salário que jamais me permitiria me vestir de Gucci, Dior, Balenciaga, talvez nem me vestir numa C&A ou Riachuelo da vida (sim amoras não é salário é mais como uma lembrancinha de festa de aniversário). Mesmo tendo estudado moda, única negra em sala de aula, diga-se de passagem, marcas especificamente nunca foram minha prioridade, porém minha roupa, embora não me defina, me representa.

Minha mãe sempre esteve arrumada e maquiada até para ir à padaria. Ela escolheu nunca sair de casa sem meio litro de rímel e seu cabelo sempre bem feito porque ela se importava com ela e queria projetar isso. Não estou defendendo que qualquer uma deva sair e gastar seu suado dinheirinho em roupas apenas para mostrar como elas são elegantes, ou já sair da cama diva, maquiada e no salto, mas eu estou dizendo que a forma como você se mostra ao mundo faz diferença na sua autoestima também. Não importa de onde suas roupas vêm, é como você as usa que te representa junto ao mundo. Acima de qualquer imposição da sociedade nós devemos ter orgulho de nossa imagem.

A moda é muito mais do que os “modismos”. A moda é um elemento histórico, que reflete mudanças sociais e culturais, e mesmo quem sai por ai negando a moda ou fazendo críticas extremas à indústria limitada da moda também dita moda. Proponho então, que abandonemos os modismos e que possamos nos permitir deixar nossa marca no mundo emanando aquilo que trazemos de belo na alma através de nossa imagem também.

Ai você me pergunta, onde mulheres negras encontram referências de moda? A indústria do alisamento e da chapinha domina, nosso quadril não cabe em saias e calças vendidas por ai, as cores não nos favorecem, a base é sempre 20 tons mais claros ou 50 mais escuros que nossa pele. Como usar referências afro sem parecer que você vai correr para a savana a qualquer momento e se atracar com um leão? Como se amarra um turbante? O que fazer se não vemos  modelos negras nos desfiles de moda e quando existe alguma menção a nós nas passarelas o fazem de maneira equivocada?

Desfile Ronaldo Fraga
Desfile Ronaldo Fraga, Reprodução

O que dizer do triste desfile de Ronaldo Fraga com as modelos ostentando uma peruca feita de BOMBRIL? O desfile aconteceu nesta terça feira (19) nos desfiles da coleção verão 2014 na São Paulo Fashion Week. As perucas foram criadas em parceria com o maquiador Marcos Costada e deveriam ser uma “HOMENAGEM” (a onda do momento é ser sexista, homofóbico, racista e dizer que é homenagem? – me atualizem porque eu acho que NÃO!), já que a coleção possui inspiração no futebol e na cultura negra.

Ronaldo Fraga tentou justificar de inúmeras maneiras esta “representação da cultura negra”. Eu tenho pra mim que, se você quer fazer uma homenagem a cultura negra e exaltar a beleza do cabelo afro, você simplesmente faz um desfile inteiro com modelos negras com cabelos naturais. Simples assim. E você ainda tem o plus de chocar, uma vez que o percentual de modelos negras nas passarelas é de apenas 2%, e o mesmo é percebido nas campanhas publicitárias das mais importantes marcas de luxo.

Na minha humilde opinião. criticar o racismo dando mote para mais racismo é, no mínimo, fail. Para quem passou a infância sendo chamada de cabelo de palha de aço como eu, só restou um imenso mal estar e, assim como nunca mais entrei numa loja Marisa depois da campanha com as folhas de alface e a ode as dietas, não sei se usaria Ronaldo Fraga como referência de moda, neste momento. Admiro algumas coleções, a coragem de exibir desfiles excêntricos, reconheço seu passado, mas ficou o mal estar e esse ninguém vai apagar. A possível beleza da coleção foi completamente ofuscada por ideias equivocadas. Na próxima vez que for usar a cultura negra como inspiração de coleção, consulte um negro (a), ( ou tenha bom senso) fica a dica 😀

Acima de qualquer equivoco de moda, das nossas lutas, dos nossos desafios existem alternativas e boas fontes de inspiração. O mais importante é: não se anule, não permita que te apaguem, se orgulhe de sua imagem e brilhe.

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  • Também tive esse pensamento lógico “se você quer fazer uma homenagem a cultura negra e exaltar a beleza do cabelo afro você simplesmente faz um desfile inteiro com modelos negras com cabelos naturais.”, mas parece que o maquiador não conseguiu pensar isso. Estava lá se justificando na Veja com o velho e batido “eu tenho até parente negro” (no caso do cidadão, ele diz que tem pai adotivo negro e por isso não é racista). Parece pra essa gente que dizer que tem parente/amigo/ancestral negro lhes dá aval para dizer e fazer absurdos racistas e depois se sair com essa. Pois bem, eu, que não sou negra e não tenho cabelo crespo, achei o cabelo de palha de aço uma agressão, extremamente ofensivo e de mal gosto.

  • Achei infeliz e… burro. Moço, ao invés de gastar em perucas “especialmente desenhadas”, por que cargas d’água as modelos não são negras? Juro por Deus que foi a primeira coisa que pensei, antes mesmo de ler o texto. Por que mulheres brancas com “perucas” e não negras, com seus cabelos naturais (que, aliás, são poderosos e maravilhosos)?
    Só tenho uma coisa a informar-lhe, Ronaldo Fraga: seu desfile, ao contrário de sua pretensa “homenagem”, só serviu a reforçar esteriótipos racistas, de que negros não tem espaço nas passarelas. Antes disso, precisam ser “representados” por brancos. Lamentável.
    Sem homenagens na próxima, por favor.