Marejar

Eu sabia que o dia em que começasse a chorar não pararia mais, segurei o quanto eu pude, maquiei bem os olhos e um pedaço da alma.

Leio de relance num texto salvo “meninas negras não ganham flores” , a verdade faz os olhos marejarem. Marejar, palavra bonita, dessas que nunca tinha reparado, marejar é verter, é deitar (líquido) pelos poros. Pra mim é virar mar. Ontem mesmo disse que se permitisse o abrir da minha boca eu viraria água. Eu sabia, tentei resistir a isso e falhei.

Image for post
Photo by Jeffrey Czum from Pexels

Eu não sei ter nenhuma emoção forte demais sem que exista o choro, mas moram em mim as lágrimas de tantos anos. Às vezes choro pela pessoa que sou hoje, às vezes pela pessoa que eu fui. Tento desesperadamente me acolher e me abraçar. Faz pouco tempo que me permiti o verter dessas águas turvas, mas ainda não gosto do sabor delas.

Faz uns minutos sai na varanda de casa e sentir o sol bater nos meus pés gelados me fez chorar. Foi uma sensação boa, e veio o desejo de mais sensações boas, simplezinhas, mas boas.

Eu comecei a chorar ontem, no meio de uma briga. Briga besta dessas que a gente fica pedindo por amor sem perceber que existe tanto por ali, e a gente só não sabe bem como entregar pro outro. É nosso jeitinho. Tanta coisa pra resolver em mim. Histórias sempre tem dois lados, eu vejo os dois, mas não consigo deixar claro.

I see both sides like Chanel

Sem força alguma, desliguei todas as telas, quando tudo terminou eu fui acolhida pela pessoa que eu deveria criar, e cuidar. Fui cuidada. Ele deixou os afazeres dele, deitou do meu lado, conversamos um pouquinho e como ele faz desde que nasceu ele dormiu. Vai ver é coisa de cheirinho de mãe. Ele guardou meu choro numa solidariedade que me emocionou. Será que aqui eu fiz um bom trabalho?

Fechada em 60 metros quadrados com a dor do mundo em mim chega a ser dificil respirar, quem dirá fazer um bom trabalho. Eu preferia sair da minha zona de conforto do que mergulhar nela.

Como Tereza Batista eu cansei da guerra, não consigo mais. Passei a questionar minha paixão por educar, o único caminho que eu via possivel pro mundo. Como a gente ensina quem não quer aprender? E pra qual mundo?

Esse mundo que a gente conhecia vai indo embora, e as pessoas aproveitam para deixar aflorar sem limites o que existe de pior nelas. Hoje eu estou uma versão pior de mim mesma também.

O que a gente pode fazer pra ficar mais humano?

Encosto a caixa de som no peito pra ver se meu coração volta a bater em algum ritmo, até a tarde terminar.

Leave a Comment