Queria poder te ensinar a desamar.
Te ensinar a tirar da pele da gente quem não faz bem. Ensinar aquilo que eu sei bem e é o oposto do que você vem tentando ensinar pra mim. Temos a metade da idade uma da outra, mas você sabe muito mais sobre carregar gente no peito pra sempre do que eu.
Minhas malas são bem pititicas, carrego no peito uma porção de frases bonitas nas quais não acreditei ontem e não acredito hoje, umas camisas mal passadas, o perfume de um aqui, inumeras risadas gostosas, um pouquinho da vontade de ficar mas a certeza de que sempre vou embora.
Sua bagagem parece tão pesada, cheia de intensidade, fotos boas demais, escritos pra uma vida inteira, canções, viagens, sonhos momentâneos, madrugadas suadas e lembrança daquilo que as pessoas não puderam ou não quiseram ser. Pesa demais.
Se eu te pedir pra me deixar segurar um lado dessa sua sacola você deixa?
Eu não tenho um bom conselho sobre como deixar alguém que é tão nosso, mesmo quando faz mal, ir embora.
Li em algum lugar que hoje é dia de lua rosa, dia de deixar ir o que tem que ir e deixar ficar aquilo que a gente acha que de fato precisa estar com a gente.
Eu não aceito que você permita ficar quem te diminui pra que caiba em sua mediocridade. O mundo premia pessoas mais ou menos. E homens pequenos demais, a gente sabe disso.
Queria que um banho longo lavasse isso de você, ou que você pudesse transformar as cinzas do que existe ainda aí dentro em uma obra de arte muito bonita. Daquelas que você viu num museu no berço do mundo. Provavelmente uma obra de arte com mais alma do que eu. Boca aberta num grito dolorido, enquanto o vento faz o tecido mais fino do mundo colar na pele.
Vai, faz uma força, chacoalha esse demônio das suas costas pra que você não precise viver curvada.
Antes do dia acabar deixa eu te contar uma fofoca, destas que a gente gosta de contar uma pra outra e que só a gente entende. Hoje eu também deixei alguém partir, confesso que não queria, mas eu estava mentindo pra mim e pra você também. Eu achei que meu coração ia doer um pouco, mas depois entendi que eu queria que doesse. Ainda sou eu fazendo de tudo pra sentir qualquer coisas.
E olha você, sentindo tudo, mas num dia tão ruim que melhor mesmo era sentir nada.
Daqui a pouco isso vai passar, e a gente vai rir desse nosso jeito torto de amar e desamar bebendo drinks e falando sobre os menores homens do mundo que o acaso colocou no nosso caminho. Como pedrinhas pontudas nos sapatos. A gente sempre aprende alguma coisa, porque somos boas em tirar o melhor das piores situações, mas a gente deseja mesmo é aprender sem dor.
Queria poder te ensinar o desamor, o desprezo e o esquecimento. Hoje tentei lembrar o nome de alguém com que vivi uma relação legal. Não lembro o primeiro nome e não sei se o que lembro era real. Não sou boa em manter na memória quem passa por mim. Queria te emprestar um pouquinho disso pra que a sua boca não amargue.
Talvez eu esteja parada ali na adolescência como você diz, fazendo corações em fotos do alvo do meu afeto. Talvez você esteja se permitindo envelhecer demais e afundar com esse monte de pedras nos seus bolsos. Esta noite queria poder trocar de lugar com você.
Sabe um dia aquilo que está mal resolvido ai dentro vai encaixar no lugar que precisa estar. Umas correntes vão se afrouxar e você vai estar livre. Mas por agora chora tudo o que você precisar chorar. Às vezes as soluções não chegam como a gente quer, mas chegam.
Talvez a obra de arte mais bela do mundo, aquela que carrega em si todos os sentimentos possíveis seja você. Azar de quem não vê e não entende a beleza de tudo isso.