Vai completar uma semana que eu estou declarada e assumidamente doente – de novo. Eu tenho ficado/estado doente ao longo dos últimos 4 anos com uma frequência absurda. E apesar de ter tentado observar o que estava me adoecendo nos últimos tempos, percebi que não me aprofundava demais nisto. Não me aprofundava por falta de tempo, por não acreditar se tratar de uma prioridade, por estar com a cabeça tão desgraçada que qualquer coisa que exija uma concentração um tiquinho maior da minha parte e não possa ser executada junto com outras 327483685767 coisas, definitivamente , não merecia minha atenção.
Nesta semana de cama eu pude olhar um pouquinho melhor pra mim, pra tudo que eu vinha sentindo e entender qual o processo de adoecimento do meu corpo. Que não vem de hoje, da forma como eu venho arrastando coisas, acredito que existem pontas soltas causando danos a pelo menos uns 13 anos.
Destas tantas coisas mal resolvidas eu fui me construindo da forma que dava. E olha que eu achava que a gente mudava até uma X idade, e depois a gente só era quem era mesmo. as benesses da vida adulta. Mas a coisa não é assim, pelo menos não comigo. Eu me sinto mudar o tempo todo. As vezes são mudanças boas, as vezes elas acontecem ainda numa tentativa de agradar pessoas, o que é bem triste.
Eu venho tentando me adaptar a pessoas desde muito cedo, pensando 1000 vezes antes de abrir a boca, brigando com demônios internos que eu coloquei na minha cabeça serem inaceitáveis. Mostrando pro mundo uma coragem e uma autoconfiança que chegam a ser brutais, mas a verdade é que eu estou quebrada por dentro a muito tempo.
Dialogando com a minha psicologa sobre alguns desses aspectos muita coisa deu uma clareada na minha mente, mas acho que não houve tempo suficiente pra que eu conseguisse virar a chavinha do ser agradável custe o que custar. Desta vez, custou muito da minha saúde.
Lutando contra a forma como eu me vejo eu aceitei dar aulas daquilo que eu sei fazer, que é programar (mas que nesta semana doente estou me questionando se ainda é esta minha paixão, se é que foi um dia). Eu gosto de dar aulas, amo, mas sempre bate uma ideia de incompetência, como se eu não soubesse o suficiente para ensinar. Sempre que topo este desafio que é o ensinar eu tenho experiências maravilhosas. Desta vez foi diferente.
Passei por uma situação racista em um espaço que eu jamais imaginei que isto aconteceria. E na minha surpresa acabei não agindo como eu digo pras pessoas que é necessário agir. Me faltou ódio. Eu tive pena da racista. E foi uma agressão violenta, que respingou em outras mulheres, que feriu outras mulheres e eu acreditei que não era o meu momento de agir, que o espaço e as pessoas que cuidavam com esmero do projeto saberiam o que fazer e levariam a sério o que havia acontecido.
Eu passei alguns dias olhando pra esta minha atitude, pensando em como as pessoas não me reconhecem por quem eu sou, não sabem meu nome, me confundem com outra mulher, não sabem meus posicionamentos, falas, mas atribuem a mim qualquer coisa envolvendo raça e agressividade. Eu ainda respondo por coisas que aconteceram na minha ausência, e é inacreditável como eu estou sempre desgastada, falando sem parar mas sem efeito algum. Era uma decisão pessoal, pra entender o que aconteceria se eu fosse menos combatente, se eu me calasse nos momentos de decisão, pra não ser obrigada a carregar nas costas e pra vida aquilo que deveria ser do todo/do grupo. Eu errei.
Pois com esta minha crença, eu permiti que a voz fosse dada a racista. O lugar passou a não ser ‘seguro’ pra mim e outras mulheres negras. O projeto seguiu, sem responsabilidade alguma pelo ocorrido, sem mudança, com o bom e velho tapinha nas costas, desculpa mas estamos perdidas e vamos melhorar.
Eu morri por dentro e entendi que nada para o racismo. E que lutando ou não, algumas de nós sempre estarão no mesmo lugar.
Literalmente perdi minha fé na mudança.
Eu já havia passado por situações racistas antes na minha vida, ora se não. Fui moldada por ele. Mas desta vez foi a gota d’água. Foi demais pra mim porque minha primeira reação foi acolher a racista e eu nunca vou me perdoar por isso. NUNCA.
Toda esta zona, num dos melhores momentos do meu ano, depois de encarar uma depressão pesadíssima, que esta aqui ainda, companheira fiel que é, ser atirada de volta no fundo do poço tem um sabor metálico. Soco bem dado na boca.
Em algumas horas do dia eu contemplo o vazio e penso: O que eu vou fazer com isso? Até quando eu vou dar meu sorriso mais amarelo e esconder quando alguém me fere? Até quando eu vou mentir que alguém não é mau caráter enquanto a pessoa o é? Até quando eu vou aceitar que as pessoas empurrem o seu fracasso pra mim? Até quando eu vou amargar em silêncio os estupros? Até quando eu vou ver meu trabalho ser tomado de mim e não apontar quem tomou? Porque eu acredito que mentir por estas pessoas vai fazer com que elas gostem de mim e me considerem? De onde eu tirei isso?
Se tudo aquilo que eu guardo pra mim estoura meu corpo físico pouco a pouco, me faz perder cabelo, dentes, engordar, sentir dores musculares 24 horas por dia 7 dias na semana, baixa minha imunidade, me faz chorar no banheiro, questionar minha sanidade, flertar com a morte…vale a pena calar pra manter uma reputação que nem me pertence?
Ainda preciso mergulhar mais em mim. Hoje eu não sinto nada, nem alegria, nem tristeza, nem ansiedade, nem dor. Só o nada, e é o que eu mais detesto na depressão, e eu já tinha me sentido assim tanto tempo, tantas vezes, só não identificava pelo que era. Mas antes eu colocava no papel, escrever pra não enlouquecer. Mas ai o mundo girou, eu passei a ter vergonha da minha escrita. Enquanto eu passava anos dedicada a escrita de outras mulheres, esqueci o proposito da minha. Mas tudo pode ser recomeço. Pra quem tem depressão todo dia é o dia 1. Hoje também é meu dia 1 escrevendo.
Tem muita coisa acontecendo aqui dentro agora. E desta vez eu vou deixar acontecer. Acho que talvez já não me falte mais o ódio. E eu não tenho mais que ser resiliente e transformar ele em algo bom para outras pessoas ( que foi minha reação ). Que esse ódio vire algo bom pra mim, que eu possa me entender melhor, me cuidar melhor e me permitir falar sobre tudo aquilo que eu guardei em mim.