Reinvenção

Eu acho que não me conheço.É sérissimo, não me conheço.Tudo sobre mim é desconhecido de mim.Perai que esta confuso.Eu tenho um conceito a meu respeito, sobre as coisas que gosto, sobre as coisas que quero fazer, sobre aquilo que eu acredito, sobre o que eu aparento ser, mas acho que são conceitos erradissimos.Eu não me conheço tão bem quanto deveria.Vai ver é por isso que corro corro e não chego a lugar nenhum, ou por isso desisto de absolutamente tudo que eu começo.
Sinto que há algo de novo em mim. Ficou pra trás mais um pedação de casca. É esquisito explicar isso, mas é mais ou menos assim: imagina cobra mudando de pele. Fica aquela coisa asquerosa por um tempo, mas depois aparece uma pele nova e muito fininha, sensível à menor brisa. Ou pense num peeling: a camada áspera foi tirada e agora ficou uma pele jovem mas meio machucada, que precisa ser cuidada e protegida.É isso estou me sentindo assim. Ao mesmo tempo que a sensibilidade aumenta, dá um medo danado de me machucar.
Eu arrisquei muito neste fim de semana. Eu confessei que amo, que odeio. Senti muita raiva, muito amor. Ainda me sinto culpada de sentir raiva e quererme afastar correndo dos alheios (mesmo que seja só na fantasia) mas pelo menos me deixo sentir.Aliás, tenho sentido mais e falado menos. Parece fácil? Não é, acredite. o impulso é sempre racionalizar ao invés de sentir, explicar e categorizar, entender e então achar que está sentindo. É um sentimento enquadrado, de mentira.Tive um amor de mentira, uma doença travestida de amor. Doía, machucava, e eu maquiava. Como as mulheres que apanham do marido maquiam seus olhos roxos e usam óculos escuros, eu maquiava a violência que sofria, uma violência auto-imposta. Sou controladora. Quis controlar meus sentimentos e controlei, na ilusão de assim sofrer menos e ser dona do meu nariz. Eu sofri e sofro ainda, mas agora sofrer também é um sentimento, e nada mais. Não precisa de explicação e nem de motivo, precisa de conforto.
Eu procuro conforto. Eu silencio e sinto. Eu senti! E descobri que as coisas passam, se a gente não se dedica a entendê-las. Até porque nem tudo se entende, nem tudo se classifica. Eu me deixei sentir amor. Eu não consegui ainda falar dele, mas escrevo aqui o pouquinho que começo a entender. Eu chooi quando escrevo palavras de amor, quando expresso minha gratidão(momento raro que as pessoas não entendem). Recebo de volta abraços e mais amor. Pessoas me ligam pra dizer “te amo”. Coisas que nunca ouvi, nunca disse. e agora digo e ouço, não canso de me espantar. É como plantar uma semente, uma coisinha dura e pequena, e ver aparecer um brotinho verde clarinho, como um milagre. aquele brotinho vai virar árvore, vai dar flores e frutos, e fui eu, com minhas mãos, que plantei. Eu dei a oportunidade para que a semente virasse o que ela nasceu pra ser.
Um impulso transformando coisas. Ação, ao invés de reação. Descobri que sou muito diferente do que demonstro ser , e talvez ainda não seja o momento certo de colocar tudo pra fora.
No momento sou um misto de amor, de amizade, de carencia, de alegria de ciume , medo, dor , gratidão.Vou digerir tudo pouco a pouco. E vou continuar me dedicando ao que sei fazer de melhor: mudar.

*

a vida só é possível
reinventada.

anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo… — mais nada.

mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
projeto-me por espaços
cheios da tua figura.
tudo mentira! mentira
da lua, na noite escura.

não te encontro, não te alcanço…
só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
só — na treva,
fico: recebida e dada.

porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

(reinvenção, cecília meirelles)

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