E aconteceu. A primeira morte por COVID-19 muito próximo de mim, dentro da minha família. O efeito de ter acontecido assim, nestas condições, foi diferente de outras mortes, outras perdas. Não houve espanto, surpresa, deslocamentos, houve dor claro, mas o movimento foi outro.
Vi as pessoas levando mais a sério a quarentena, buscando alternativas pra tentar sobreviver. Não existiu a surpresa porque não somos um grupo de pessoas com assistência médica, alguns de nós, onde inclusive aconteceu o já esperado, está em áreas em que a população se organizou pra que os efeitos deste vírus seja MENOS PIOR. Mas todo mundo ali sabe que vai ser devastador. É triste que a gente passe dias em que ao invés de pensar no “Quando a quarentena acabar eu vou” a gente pense em como será enterrar os nossos, caixões são caros, e se for uma vala coletiva, jamais exumaremos os ossos corretos.
Do lado de cá estamos diante do inevitavel.
Eu crio novos grupos de pessoas nos aplicativos, falo de politica, falo da mudança do bairro, de como existe um casal que sai todos os dias, duas vezes ao dia pra dar uma “voltinha” como se estivessem de férias, apostamos se vão sobreviver ou não e como seria triste lembrar desses dias de passeio de mãos dadas se um dos dois se for.
Por mais mensagem que eu mande pra minha mãe, nenhuma delas é: por favor fique viva. Fique viva nem que seja pra gente brigar por todos os outros dias. É muito mais do que “fica em casa” (esse eu falo sem parar). Preciso de você viva e sei que você só estará viva se nós estivermos vivos. Queria poder te dar garantias disso. Penso todos os dias em pedir pra que você apareça na janela, mas eu não sei realmente se quero ver você a esta distância. Sei que está aí quando coloca seus lençóis pra tomar sol, todos os dias, no mesmo horário lá estão eles na janela. Respiro mais aliviada.
Eu me afundo em trabalho que ocupa quase 24 horas do meu dia ao mesmo tempo que e me faz sentir extremamente incompetente e desvalorizada, quase invisivel. E eu acho que é pra este lugar que o mundo vai, pro que existe de pior.
Vejo meu filho fechado em uma gaiola dentro da gaiola, ainda sonhando com o que virá, tenho vontade de dizer pra soltar a apostila, esquecer as provas, e ir ser feliz com o que puder. Em 45 dias de quarentena eu não sentei ao seu lado pra ver um filme ou bater um papo 1 dia sequer. Mas resolvi problemas que não são meus, ouvi desabafos, fui util à solidão das pessoas até elas não estarem mais só. Sempre servindo. Penso o que a gente está fazendo com a gente? O que eu estou fazendo comigo.
A sombra da morte muda tudo, mas a sombra esta aqui desde o dia 1. Enquanto ela aumenta eu recolho 3, 4, 5 garrafas de vinho vazias que tem sido bebidas direto no gargalo.
Eu já não consigo explicar porque acho alguns assuntos pura tolisse, alguns confesso já achava antes. Não tem a menor importância se a gente não está pensando sobre o que vai fazer com aquilo que sobrar. Talvez não seja festa.
Sigo tentando construir o máximo de lembranças boas, falando com quem eu não falava a muito tempo, rindo mais alto e aproveitando cada segundinho de pequenas alegrias, perdoando pessoas e atitudes, jogando fora o que já devia ter deixado ir faz tempo.
Eu não sei o que vai sobrar, mas diante do inevitável, eu estou tentando fazer o melhor possivel.