Hoje é dia da mulher negra latino americana e caribenha, e sinistramente a timeline no facebook está cheia de ódio, de “treta”, de tentativas vãs de explicar pra uma galera branca o que é racismo, como nos afeta, que o movimento negro todo não é umas pessoa só, que não é porque alguém é negro que deixou de ser filho da puta, que esta acima do bem e do mal, explicar que não punitivismo não é sobre passar pano, mas que saber da sacanagem um fulano, ver que alguém vai se dar mal e lavar as mãos/permitir é passar pano, um eterno fulana é lacrativa, lacradora, subiu e não puxou todasasoutraspretasdomundo (o que é subir na vida?), e outras merdas que parecem ter escolhido data e hora (oportunamente né non?) para explodir. Parece que este 25 de julho esta particularmente mais difícil e muito mas muito mais agressivo.
Fico pensando o que foi que a gente fez de nós mesmas. Quando é que viramos caricatura de um movimento fazendo o jogo da branquitude do jeitinho que ela gosta? Porque a gente continua deixando isto acontecer se conhecemos com precisão os mecanismos que operam para nos separar?
E enquanto a gente faz isto o Starbucks coloca uma criança pra fora de estabelecimento por ser preta demais — http://goo.gl/EAG2ZV — e um movimento todo caga pra isso porque aparentemente importante é crianças terem sua identidade representada por um black, mas é tranquilo quando são agredidas em estabelecimentos comerciais, ou quando tem pais brancos que podem “pagar advogados”, de boas não falarmos sobre crianças afinal nem todo mundo quer, nem todo mundo tem filhos e aparentemente, embora a maioria de nós seja perseguida pelo que ouviu e viveu na infância, esta pequena não é também uma mulher negra.
Uma figura decide que a militância de Angela Davis tá boa de ser apagada porque ela decidiu que sim, sem aprofundar debate, sem pesquisa, sem razão. A moça, branca é claro, poderia falar isto e fazer um texto cheio de teorias em qualquer dia no ano, mas ela também escolheu hoje. Não só porque a mulher criticada está no Brasil, mas porque é dia 25 e é divertido incomodar outras mulheres negras.
Hoje foi o dia em que eu mais li gente vomitar o seu racismo nos mais diferentes espaços de fala. Um dos dias em que eu mais vi preta agredindo preta(e falo com e para outras pretas porque é o universo em que eu estou inserida) e isso é dolorido demais.
Em que parte do caminho a gente decidiu que se alguém chegou num lugar x o ideal é devolver a pessoa no “lugar dela”? O “lugar de preto”? Quem define quem pode e não pode falar/representar alguma coisa? Porque a gente se odeia e ainda massacra quem deveria ser companheira de luta porque mesmo que alguém lacre (e como eu odeio esta palavra usada assim e contra nós) não vai se beneficiar da nossa desgraça como uma pessoa branca, ou seja, você pode odiar o lugar que a pessoa ocupa, o pensamento, a ideologia, mas esta pessoa (mesmo que acredite fazer parte de um grupo especial) está exatamente no mesmo lugar em que você está. Não exite isto de sermos diferentes, a não esta ilusão ser entre nós mesmas e isso já é merda o suficiente.
Ah mas ninguém é Madre Tereza, ninguém é obrigada a gostar de todo mundo. Não mesmo, eu tenho meu próprio Death Note, não quero ouvir falar de algumas mulheres e poderia estapear (sim) outras tantas, mas isso sou eu, guardo pra mim porque um ataque direto a estas mulheres é um ataque direto a mim.
Permanecemos todas pássaros engaiolados observando por entre as grades da ira.
Estamos num grande jogo, a gente precisa urgentemente aprender a jogar.
Pássaro Engaiolado
(Maya Angelou)
Um pássaro livre pula
nas costas do vento
e flutua rio abaixo
até a corrente parar
e mergulha suas asas
nos raios alaranjados do sol
e ousa clamar ao céu.
Mas um pássaro à espreita
em sua pequena gaiola
quase nem vê
por entre as grades de ira
suas asas estão presas
e seus pés estão atados
então ele abre sua garganta para cantar.
O pássaro preso canta
num gorjeio triste
sobre coisas que não conhece
mas ainda deseja
e seu canto é ouvido
na colina distante
pois o pássaro preso
canta sobre a liberdade.
O pássaro livre pensa em outras brisas
e nos ventos suaves entre as árvores que suspiram
e nos insetos que o esperam no gramado ao nascer
e ele chama o céu de seu
Mas um pássaro engaiolado permanece no túmulo dos sonhos
sua sombra grita um grito de pesadelo
suas asas estão presas e seus pés estão atados
então ele abre a garganta para cantar.
O pássaro preso canta
com um gorjeio triste
de coisas desconhecidas
mas ainda desejadas
e seu canto é ouvido
na distante colina
pois o pássaro preso
canta sobre a liberdade