Esta noite te matei. Faca encostada na garganta, eu pude senti o sangue escorrer quente pela minha mão, mais firme do que nunca.
Assisti você engasgar e sufocar lentamente, olhando do lado de fora do carro. O mesmo sorriso incontido das melhores piadas internas.
Foi um sonho, acordei procurando o sangue que a essa altura deveria estar seco nas mãos, a euforia de ter ganho um presente, coração disparado.
Nos últimos dois dias eu fecho meus olhos durante o dia e a imagem do sonho me inunda. Como eu queria que fosse verdade. No entanto é como se eu nunca tivesse saído daquele carro, no dia que deixei de ser minha.
Fico sempre pensando no que eu podia ter feito, não importa que me digam que não poderia fazer nada. Não é racional o meu sentir.
Janelas de carros não quebram com a facilidade que eu imaginei que pudessem quebrar, eu tentei chutar aquele vidro com toda a força que eu pude antes de você me impedir. Você também deve ter achado que quebraria como um pedaço de cristal. Erramos.
Fecho os olhos mais uma vez e o vidro que não quebrou é o mesmo que te rasga por completo, sorrio de novo no meio do dia, sempre que a ilusão me invade. Estou obcecada com a imagem da minha vitória nessa luta. Mas tenho que abrir os olhos e estou exatamente no mesmo lugar. Um lugar onde eu não respondo quando chamam pelo meu nome e que não consigo reconhecer meu corpo.
Será que é por isso que ele vai desaparecendo diante dos meus olhos, grama por grama? 13200 gramas para ser exata, que não me tornam mais leve, me tornam mais invisivel.
Depois do que você me fez eu tornei meu corpo público na tentativa de mostrar quem é que manda aqui. Pra que fique muito claro que ele não te pertenceu e não te pertence.
Quando penso que queria ter conseguido segurar a sua cabeça e afundando meus dedos nos seus olhos penso porque não tive coragem? Porque meu corpo convulsionou de dor, de medo, de desespero. Não sabia que um corpo pudesse tremer como o meu tremeu. Será que é assim morrer congelado? Dizem que é uma dor terrível, que a gente perde o controle do corpo e sente a morte nos ossos. Acho que eu estive muito perto deste lugar. E todos os dias quando eu tiro a roupa pra entrar no chuveiro eu afundo em gelo de novo.
Eu nunca desejei a morte de alguém. Eu tento ter pensamentos felizes, estudo sobre amor e calo meu caos para que ele não contamine outras pessoas. Parte do meu coração é feita de espinhos, não consigo evitar. Sangue quente escorrendo pelos braços.
Eu sei onde fica cada uma das marcas. Como eu tiro isso de mim? se eu pudesse gritar isso de mim haveriam tsunamis.
Ninguém quer estar perto de gente triste, que só tem tragédia pra contar. Que ironia, agora ninguém está perto de ninguém. Minhas pupilas dilatam e denunciam, por dentro te mato de novo, e de novo.
Eu não sei o que eu me tornei. Não sei se eu gosto. Conto histórias felizes, faço rir, mando presentes pra dizer que dentro de mim ainda amo.
Os dias passam mais lentos do que eu gostaria, mergulho em trabalho, em conhecimento, em diversão vazia. A noite precisa chegar mais rápido, pra eu poder afundar nos meus travesseiros, te matar lentamente e tomar pra mim de volta o carnaval.