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Não fique calmo. Sobre racismo na infância.

Eu moro no mesmo lugar há quase 5 anos, nesses 5 anos uma das minhas vizinhas insiste que eu sou diarista dos demais apartamentos. ao me encontrar nos elevadores me pergunta “Em qual vocês está hoje?Quanto você cobra o dia”. Sempre que este encontro ocorre a resposta é a mesma ” Eu moro aqui, sou do 14″. Ela balança a cabeça incrédula e segue o seu caminho. Hoje por fim ela me orientou a utilizar o elevador de serviço.

Ontem meu filho chegou em casa chateado porque as crianças na sua sala de aula dizem que ele tem a “gengiva preta” e que ele é marrom e horrível. Doeu nele, doeu em mim porque eu passei alguns anos da minha infância ouvindo a mesma coisa, ou sendo excluída de algumas brincadeiras porque “gente preta não brinca”, e eu ouvi isso de pessoas que hoje são minhas “amigas” aqui no facebook e que talvez nem se lembrem de terem feito isto. Bom o fato é: nós perdoamos, mas não esquecemos.

Ainda ecoa na minha mente a “brincadeira” onde meninos separavam meninas para formar uma fazenda (sim , crianças de 6 ou 7 anos). Uma brincadeira horrorosa por si só mas que ficava pior quando todos os dias eu entrava na fila da brincadeira e enquanto separavam iam apontando “cavalo branco, cavalo branco” e na minha vez “cavalo preto não brinca”. Isto aconteceu em 1986, já faz um bom tempo, mas em pleno 2013 algumas brincadeiras não são tão diferentes.

Ainda há aqueles que se mantém na ignorância de acreditar que no Brasil não existe racismo, que essas pessoas possam utilizar meia hora de suas vidas para reavaliar seus conceitos, olhar ao  redor e rever suas atitudes, suas piadas, seu comportamento.

 Se forem pais ou mães que o façam com mais carinho e ensinem seus filhos que somos todos iguais, brancos, negros, indígenas, japoneses, católicos, evangélicos, judeus, hétero, gays, portadores de necessidades especiais, gordos, magros. Nosso sangue é vermelho como o de qualquer outro, nossos sentimentos são os mesmos, e os direitos e deveres são iguais ( mesmo que isto não se cumpra). Que façam aquilo que é tarefa principal e eduquem seus filhos para que eu ou qualquer outra mãe negra não precise usar de argumentos confortadores com o filho explicando para ele que os melhores corredores são negros, os melhores jogadores de basquete são negros, os melhores jogadores de futebol, que o presidente da maior nação e de maior poder é negro, que as musicas mais incríveis são compostas e tocadas por negros, que podemos fazer aquilo que quisermos, sermos quem quisermos nos dedicando e que ser negro não é um defeito, é qualidade e que, no caso do meu filho, por não tratar ou julgar ninguém pela cor da pele, religião ou sexo já é melhor do que muitas pessoas.

Crianças são crueis, é verdade, mas apenas algumas, aquelas que não são instruídas corretamente. Não devemos nos limitar a ensinar as crianças apenas a ler e a escrever, a tocar um instrumento e a desenhar. Precisamos ensinar cidadania, tolerância, respeito. Para quem não conhece essas máximas da convivência humana, ainda está em tempo de abrir a mente e se educar.

Nem eu, nem meu filho, nem mais da metade deste país , “precisa” ser tolerante com a ignorância alheia, infelizmente as pessoas só aprendem com medidas extremas como cadeia. Evite que o próximo “criminoso” como a senhora do elevador , saia de dentro de sua casa. Respeite e ensine o respeito porque isto não é um grande ato, ISTO É O MÍNIMO!

MAIS

Conheça material educativo da Unicef sobre os efeitos do racismo sobre a infância.

 

 

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mariarita

Escrevo para não enlouquecer sobre coisas que já me enlouqueceram.

  1. Cintia. says:

    Excelente texto, Assim, não rola um “esculacho” na casa dessa vizinha, gravar as coisas que ela fala?
    Pensei quee seria importante falar com a coordenadora e direção da escola, para elas tratarem o assunto com a molecada, não? Sou professora e fazemos isso lá onde trabalho.
    Indiquei esse site para algumas alunas, mês passado.

    1. R. says:

      Cintia, eu entrei em contato com a escola propondo algum tipo de trabalho sobre diversidade e como somos plurais, até agora só conseguimos um trabalho válido anti-bulling desde os pequenos da pré escola até o colegial, ainda acho pouco, mas tenho esperanças. Sobre a vizinha, infelizmente não rola gravar o que ela diz, mas acredito que o mesmo que ela faz comigo deve fazer em locais publicos e um dia o que vai rolar são testemunhas 😉

  2. Sua vizinha que deve sofre de alzheimer, ou de racismo mesmo. Ambas são doenças graves. Felizmente no caso da segunda, racismo encubado, existe tratamento. Grave tudo. Um celular discreto. Imagem com boa definição. Grave quantas vezes ocorrer. Quando você tiver umas 5 gravações. Denuncie.
    Qaunto ao garoto. Denuncie. As escolas têm reuniões bimestrais (ou semestrais) chamadas conselho de classe. solicite à escola que convoque os pais dos “racistazinhos” em processo e … denuncie. Se possível, grave também.
    Lembre-se de que todo racista, além de covarde, é burro.

    1. R. says:

      Ione, embora as gravações sejam difíceis porque quando ela faz o comentário é tão “do nada” que eu nem reajo mais, acredito que não seja Alzheimer é pura implicância, mas um dia vai acontecer num ambiente com testemunhas.
      O trabalho com as crianças precisa ser bem mais delicado, me pergunto como educar enquanto a novelinha do momento foi do inicio ao fim chamando o aluno negro de chocolate? Falei com a escola propus um trabalho sobre diversidade, ainda há esperanças 😉

  3. flavia says:

    Eu sou professora e presencio o racismo diariamente! Não estou preparada pra explicar então improviso o que aprendi com um colega de faculdade sobre o movimento negro. Tento falar de África e negritude naturalmente, mas, provoco desconforto quando falo de racismo e de políticas afirmativas na escola (como por exemplo, quando critiquei a comemoração o 20 de novembro com a instalação de uma senzala na quadra, por crer que estão há anos representando a ideia do escravismo ao invés de valorizar os elementos que compõe a cultura africana.) A própria palavra negro, negra, parece chocar.. preferem usar “moreno”.. Penso que precisamos falar, expor, discutir o racismo, pra ver se reconhecendo-o, ele seja extirpado definitivamente. Porém, são tantas as formas de bullying que não sei mais o que fazer… eu faço o discurso, mas parece que a mídia e as artes estão contra: a tv, as músicas, os artistas, as novelas e os pais ensinam racismo, homofobia, violência e machismo a essas crianças, Enfim. Foi um desabafo. Se alguém puder ajudar, deixa uma dica.. : (

    1. R. says:

      Flavia, eu chego a me virar do avesso quando escuto um “morena”, quero a morte. É incrível como o ser negro ainda é este dilema todo e entendo o quanto é complicado trabalhar cabeças jovens. Mas que tal ao invés de trabalhar apenas da Africa falar sobre o movimento negro americanos, suas conquistas. Se estiver em São Paulo quem sabe propor uma visita a Feira Preta, acredito muito que exibir que o negro está além da Africa abre horizontes e sai do didático para o real. Tenho certeza que seus alunos vão começar a ver o negro com outros olhos a partir do momento que conseguirem associar o negro a algo mais além de escravidão e racismo 😉

  4. yara correa baffa says:

    SEM COMENTÁRIOS!! PERFEITO,PARTINDO DO PRINCÍPIO QUE TODOS NÓS,SIMPLES MORTAIS SOMOS IMPERFEITOS,E QUE SÓ DEUS QUE É AMOR,A MOLA QUE IMPULSIONA O UNIVERSO É PERFEITO!
    PARABÉNS TEXTO REAL,FRANCO E MAIS DO QUE VERDADEIRO!
    ASSINO EMBAIXO E CONCORDO COM TODO O RELATO.
    A RESPONSABILIDADE DE TODO TIPO DE PRECONCEITO E TOLERÂNCIA PARA COM ELE,É SOMENTE NOSSA,QUE NOS OMITIMOS E NÃO EDUCAMOS O SUFICIENTE NOSSOS FILHOS!

    1. R. says:

      Yara fico feliz que tenha gostado do texto, tomara que ele circule muito e chegue no coração de muitos pais e mães e que eles entendam que educar e criar é muito mais do que manda o senso comum. Criamos para o mundo e o mundo é plural 😉

  5. yara correa baffa says:

    CERTEZA MARIA RITA!! MAS A VIDA É APRENDIZADO E LUTA CONSTANTE,E SÓ NOS DAMOS CONTA QUANDO SOMOS AFETADOS OU ALGUÉM QUE NOS É QUERIDO!
    SE NÃO VAMOS A DEUS POR AMOR,IREMOS PELA DOR!
    ENTÃO,FAÇAM A SUA OPÇÃO!
    ABRAÇOS!!

  6. Perfeito!!!
    Acho que é bem isso… Não adianta a gente lotar a “agenda” dos nosso filhos com uma série de atividades para que sejam, inteligentes, desenvoltos…. Se não conseguirmos ensinar o que é Cidadania, o que é respeito ao próximo, o que são direitos e o principal, Somos todos iguais!

    1. R. says:

      Izabela penso exatamente assim, de que adianta um poliglota, atleta, cientista de foguetes (meu pequeno escolheu esta ultima,rs) se a gente não ensina esta criança a amar, a fazer amigos, a se respeitar e respeitar o próximo 😉

  7. Maria says:

    Eu sou da raça que podemos chamar de branca, mas neta de uma avó negra e pobre.O racismo foi uma coisa tão dolorosa para a mesma que uma das alegrias delas era que seus filhos tinham nascidos “morenos” e, eu, sua neta, branca. Lembro de uma vez quando já mocinha ela olhou as minhas mãos e disse como eram bonitas porque eram brancas e combinavam com esmaltes vermelhos.Se ela utilizasse vermelho seria chamada de “preta exibida”. Me lembro que abracei ela e disse que achava as mãos delas tão lindas.Me lembro de ouvi-la me elogiar para a minha mãe , pois eu andava nas ruas de braços dados com ela “sem vergonha alguma” quando a levava a missa, hospital ou qualquer outro lugar que ela precisasse.Em nenhum momento antes de ter ouvido isso eu havia sequer pensado sobre sentir vergonha de minha avó. Ela era minha avó. Meu amor. Sua raça, era também a minha raça.E seus filhos se nunca se orgulharam ou se se preocuparam com isso. Ela era só mãe e avó. A mulher que amamos pelo que é. Talvez algumas pessoas não entendam isso, mas ela sofreu muito por ter nascido negra e pobre e ter sofrido DIARIAMENTE as “pelejas” dessa condição em seu tempo.Como mulher, hoje, paro e penso, como deve ser dolorido não se ver bonita, não usar a cor que deseja, achar que seus filhos são bonitos porque “puxaram” os genes do outro e não os seus próprios, uma condição de não querer se ver retratada na coisa que mais amava.Eu era mocinha, não entendia tudo isso dessa forma, mas amava a minha avó por tudo que ela representava: uma guerreira na luta para criar os filhos, para educá-los, honestíssima, caridosa, de bom coração e valorosamente uma pessoa de bem. Quando leio relatos como o seu, me sinto sim, revoltada. E talvez por conta disso eu responderia a sua vizinha com a voz mais doce do mundo: eu não cobro a diária, pois não sou diarista, mas se alguma pessoa da sua família estiver procurando emprego, estou buscando uma diarista. Passa lá! Mal educada, eu sei. Mas é que nessa hora fica um pouco pessoal para mim.

    1. R. says:

      Linda a sua história, e é complicado não se ver nos filhos, eu grávida passei boa parte da gravidez pensando em como o pai reagiria ao filho se ele fosse bem negrinho. Olha que bobagem, tudo bem que tem muito mais história não é só este resumo, eu tinha “motivos” para pensar assim, mas felizmente me libertei e mais felizmente meu negrinho nasceu liberto de uma série de amarras 😉

      1. Virginia says:

        Oi, li a sua resposta e me intrigou muito, eu casei com um homem muito branco e meu medo é ter um filho muito claro, pq tenho medo de n me identificar com ele e ele comigo. Não quero ser chamada de baba do meu filho, gostaria muito de ter um filho da minha cor.

  8. Ana says:

    Ensino ao meu. Mas ele diz mãe o meu amigo é marrom, porque?
    Não repreendo quando ele diz que o amigo é marrom, ele não acha feio, só constata que o amigo é de outra cor e a cor é essa mesmo. Não vejo motivos para inventar coisas. Agora, ensinar que somos diferentes e ao mesmo tempo iguais é dever de todo pai e mãe. Meu filho é louro de olhos azuis e o amigo marrom, como ele chama, diz que ele é louro azedinho, meu filho ri porque não entende e eu não digo nada. Mas vejo que do outro lado os pais não ensinam como eu e confesso que também magoei. Chamar de louro pode, afinal ele é louro mesmo, como eu disse, não inventemos coisas! Mas azedinho??? Claro que o menino é só uma criança, mas sozinho ele não aprendeu isso. Fico chateada porque vejo que os pais do outro lado não ensinam o respeito como eu. Mas as crianças são tão doces e puras… E procuro compreender que ser negro no país onde vivemos deve ser mais difícil do que ser o azedinho e me consolo. mas é preciso rever os conceitos do outro lado também, é preciso baixar a guarda. Tem uma garotinha também, a minha bombonzinha, chamo ela assim e a mãe nunca se importou, pois ela parece mesmo de tão bochechuda e ela chama o meu de branco de neve rsrs… ah, minha tataravó era uma negra, tirada da sensala para se casar com meu tataravô, que a teve como única e legítima esposa até a morte. Ele era italiano. Sou casada com descendente de alemães e meu filho puxou a raça. O que há com o povo? Porque tanto preconceito de negro com branco e de branco com negro? Nem sabem qual sangue corre em suas veias.

    1. R. says:

      Ana, no momento em que você não explica para o seu filho que marrom é cor de lápis ou tinta guache, você acaba permitindo que ele ache natural olhar para o coleguinha e dizer : Você é marrom e eu não gosto desta cor. Para nós adultos digerir o marrom é fácil, é a verdade nua e crua, mas não menos ofensivo. Não acho que você deva repreende-lo de maneira alguma, mas sim explicar a diferença entre uma cor e uma raça, afinal dificilmente crianças negras vão sair por ai dizendo : criança rosa não brinca.
      Também acho que você deveria se posicionar firmemente sobre o “azedinho”, se te fere ou fere seu filho deixe claro que não é agradável. Apelidos como chocolate, bombom, leite azedo, são ofensivos sim e a menos que você tenha ganho este direito através da intimidade com a pessoa com quem se relaciona não deve ser usado. Não há nada de errado com o povo, e não acho que seja exatamente uma espécie de preconceito de negros com brancos, existem mecanismos de defesa que nem sempre são os mais agradáveis, mas muitas vezes são pra lá de necessários.
      Aquilo com o qual nos habituamos por parecer delicado ,como chamar de moreno ou marrom bombom, é uma maneira de lidar com o próprio preconceito, que por ser algo politicamente incorreto dificilmente aceitamos este tipo de “defeito” em nosso caráter.
      Você parece ser uma mãe preocupada e amorosa e eu tenho certeza que deseja o melhor para seu filho, tenho mais certeza ainda de que independente da idade do seu filho ele vai entender as diferenças entre cores e raças, nomes e apelidos e entender que cada um escolhe ser chamado por aquilo que lhe deixa mais confortável, explique para ele de coração aberto, ele ganha, o mundo ganha. Fica como um pedido de uma mãe para outra 😀

  9. Pandora says:

    Realmente nós precisamos crescer muito em relação ao enfrentamento do racismo, sou professora e vejo… Essa semana na sala de educação infantil que frequento estávamos pintando com as crianças a figura de um menino, as crianças utilizaram verde-azul-amarelo-vermelho para pintar, mas um das estagiarias pegou a imagem e rapidamente escolheu pintar a sua de bege – aquela que o povo gosta de chamar de cor de pele para nossa revolta – e o cabelo de loiro… eu rapidamente eu peguei um desenho e pintei o menino de marrom e o cabelo de preto e anunciei que ambos eram irmãos… Uma das estagiarias até perguntou: “mas como? um é branco o outro é preto”? Ora, sendo, são humanos, são irmãos…

    Para todas as crianças negras eu queria que nas escolas se recitasse o poema “Muleque” de Solano Trindade:

    “Muleque, muleque
    quem te deu este beiço
    assim tão grandão?
    Teus cabelos
    de pimenta do reino?
    Teu nariz
    essa coisa achatada?
    Muleque, muleque
    quem te fez assim?
    Eu penso, muleque
    que foi o amor…”

    1. Maria Rita says:

      É difícil trabalhar com um assunto que embora muito sutilmente ainda é um tabu.Muita coisa precisa mudar, muitas pessoas precisam crescer, diversidade e respeito deviam ser matérias na escola, quem sabe chamada Humanidades? Obrigada pelo poema, vou recomendá-lo. 😉

  10. Barbara Nunes says:

    Oi Maria Rita.
    Obrigada por mostrar esse pedaçinho da sua realidade.

    Nasci branca. Cresci branca. Minha mãe fez o que pôde para criar uma filha sem racismo – e isso passou por explicar que existia gente de outras cores de pele que não a do band aid. Passou por eu conhecer os orixás ainda pequena. Passou por ser proibido qualquer piada racista em casa. Em casa se ouvia samba, se ouvia jazz – muita música negra. E meu sonho sempre foi ter um cabelo afro. Minha mãe se orgulhava que a filha sonhava em ter cabelo afro. Tinha certeza que eu não estava crescendo racista. E eu também. Tive certeza a vida toda de que não era racista.

    Um dia, numa discussão sobre cotas nas universidades federais eu soltei um: “não sou racista mas…”. O fato de eu ter dito essa frase me perseguiu por anos. Comecei a pensar se eu não era de fato racista. Então eu percebi que quando eu via uma pessoa na rua e ela era branca eu não pensava nada. Mas quando eu via uma pessoa negra eu pensava que ela era negra. Um policial, fosse negro, era primeiro negro, depois policial. negro médico. negra trocadora. negro operario. negra professora. percebi que eu reagia diferente quando negros estavam presentes. Nao queria ser racista, entao eu me sentava ao lado do negro senhor no ônibus, oferecia meu lugar à negra grávida e não à senhora de idade (branca). Quanto mais eu fazia isso, pior me sentia, pois tudo o que eu queria era provar pra mim e para os negros do mundo que eu não era racista.

    A verdade é que minha mãe fez o que pôde, mas como me salvar do mundo?
    Sou classe média, frequentei um colégio particular onde meus negros colegas foram exatos três. Meu avô dizia que o que eu fazia de errado era crioulice (que eu achava que era a mesma coisa que criançisse), as empregadas dos meus amigos eram negras. Na escola aprendi que os negros foram escravos e que eram melhores escravos que os indios porque eram mais dóceis. Se estudamos dois meses sobre a Historia da África foi muito – contando a primeira Guerra Mundial. Meus cabelos enroladíssimos meu pai (separado da minha mãe) fazia de tudo para alisar nas férias de verão – parecia cabelo ruim. Na televisão não havia negros e os que havia eram bandidos, empregadas domésticas ou jogadores de futebol.

    Me odiei muito quando descobri que havia racismo em mim e não posso dizer que não tenha passado. A verdade é que eu cheguei a um acordo comigo mesma: não sou racista pois discordo e ODEIO o racismo – e o meu racismo mais que tudo, mas tenho que admitir que ele está dentro de mim. E me sinto um pouco melhor agora que assumi isso não só pra mim, mas para os outros. Quanto mais eu assumo, mais eu descubro coisas em mim e nos outros e mais coisas eu tenho que mudar, que lutar.

    Esse sábado tomei coragem e perguntei prum moço que eu acabei de conhecer, mas que nos gostamos de cara: você sente racismo no Brasil? quando foi que vc se percebeu negro? E as respostas que ele deu me chocaram profundamente.

    Sinceramente eu espero que as coisas mudem logo. Mas pessoas brancas, como eu, têm que entrar em contato com o seu racismo e brigar contra ele. Entender onde ele está. Porque escondido ele só fica de nós mesmos. Porque os negros já nos perceberam há muito tempo.

    Beijocas e muito obrigada pelo texto.
    Barbara

    1. Maria Rita says:

      Sabe Barbara eu percebo que você reconhece seu privilégio, mas o que eu acho realmente difícil de se fazer entender é que quando encontramos alguém na rua ou em qualquer lugar não temos a menor noção se aquela pessoa é racista ou não, homofobica ou não, machista ou não, sendo assim não nos importam os demônios internos de qualquer que seja a pessoa desde que ela não os externe.
      Não tenho duvidas de que sua mãe fez o que pode tentando criar pessoas livres de preconceitos, a partir de agora este trabalho para se livrar destes preconceitos é seu. Ser racista não é como ter uma doença rara incurável, ser racista é questão de educação, de humanidade, de empatia, de respeito.
      O mundo muda quando a gente muda. Não somos apenas nós negros que temos que lutar para que o racismo acabe, são os racistas que não podem se acomodar na desculpa de que é um “habito” enraizado para continuar a ser uma pessoa horrível.
      Você deu um primeiro passo e se colocou de frente com o seu racismo, agora que encontrou: MUDE, é totalmente possível, se tiver filhos (hoje ou no futuro) ame-os intensamente e os ensine a amar a todos sem distinção, e não a não ser racista, eu acredito que aos pouquinhos é assim que a gente vai mudar as coisas 😉

      1. Barbara says:

        Oi. Você é a mesma Maria Rita que escreveu o post?
        Pois é. A descoberta dos meus privilégios é uma coisa dolorosa. Com a descoberta do racismo vieram outras como a transfobia e tal. Sou fruto fruto da sociedade, somos todos. Lutar internamente e externamente contra os preconceitos é a única maneira que vejo de mudar o mundo.
        Sobre meus demônios internos, você tem toda razão. Ninguém os conhece, apenas eu. Agindo de forma não-racista ninguém notará a diferença. Outro dia eu tava lendo um artigo do Alex Castro, um moço que escreve no papo de homem, no qual ele falava de um narcisista que queria se curar e pedia conselhos para um psiquiatra. Ele disse: finja não ser narcisista, engane os outros. Ele se revoltou: mas fingir não muda o fato de eu ser narcisista. O mestre: isso não importa, o que importa snao os seus atos. O fato de você ficar focando em você mesmo só te torna mais narcisista. Pois é: ninguem sabe o que se passa por dentro da gente e sim, acho que o que importa são nossos atos. Mas para que eu possa agir da maneira como acho correta, preciso entrar em contato com meus demonios, olha-los de frente. Espero mesmo que não seja incurável.
        Um beijo,
        Barbara

  11. Tatiana says:

    Minha mãe é filha de branca e negro. Eu sou essa coisa azedíssima branca que vc vê nas fotos, puxei meu pai. Pois teve um evento da minha infância, longíiiiiiinquo pacas, que eu NUNCA esqueço – tinha 4 anos, no jardim da infância (num colégio católico) e estávamos desenhando nossa família a pedido da professora. Desenhei meu pai, minha mãe e eu (meu irmão ainda não tinha nascido), bonitinhos, de mãos dadas, o solzinho, as florzinhas, a árvore com maçazinhas, o clássico. Aí fui colorir. Pelo amor de deus, criança nessa idade coloriria pessoas até de roxo ou verde-bandeira, estão dando a mínima pra tons de pele. Pois pintei nós três de rosa.

    Fui entregar o desenho pra prof, orgulhosa, e ela olhou, fez tsc tsc, me deu um lápis de cor marrom e disse: “tá errado, faça de novo. A mamãe é marrom, vc sabe disso.” E RASGOU meu desenho, bem na minha frente. Até hoje me lembro do choque, do horror de ver ela rasgando o desenho.

    Quando cheguei em casa, contei chorando pra minha mãe o que tinha havido. Ela me falou pra deixar pra lá, mas vi de longe ela enxugando uma lágrima qdo achou que eu não estava percebendo…

    1. Nossa,meu Deus!Chorei junto com a sua mãe.Sou branca azeda,meu marido é negro e beeem negro,meus três filhos são uns bombons!!Enfiam tanto nas cabeças das pessoas que o branco tem que ser branco e “preto” te que ser “preto” que minha filha já quer ter cabelo liso,isso está me deixando muito triste.Ela tem um cabelo lindo…aquela propaganda da Vanessa da Matta,minha filha tem aqueles cachinhos.Isso tem que acabar,toda vez que chegam perto de mim e perguntam se os meus filhos são meus filhos eu quase enlouqueço por dentro e me dá vontade de perguntar se pra ser filho ou ser mãe precisa ter a mesma cor,os mesmos traços,ou até o mesmo sangue?!Amor,respeito,humanidade,amizade,emoção,nada disso tem relação com o que cada um trás por cima da pele.Ser uma pessoa de valor,uma pessoa de verdade,não é parar pra prestar atenção em cor,cabelo,olho,se é homessexual,católico,pobre,rico,judeu e etc,ser uma ser humano de verdade é viver e conviver em harmonia e amor com todos pois o final é igual para todos!Tatiana dá um bjão na sua mãe por mim,ela é uma mulher especial,quanto a professora…deixa pra lá não,ela nunca terá uma pele tão linda quanto a da sua mãe,é nítido perceber que nem a aproximação de Deus muda o preconceito e a maldade que está dentro das pessoas.Ruim não é a cor de ninguém e sim o caráter que alguns carregam.
      Paula Dornelles

  12. Denise says:

    É quase inacreditável saber que existe esse preconceito até hoje…lembro que meu filho que hoje tem 9 anos, quando tinha uns 3 anos, abraçou minha funcionária como ele sempre fazia e de repente se virou pra mim e disse: mãe, a pele da tia Ju é preta??? Ele disse isso num tom espantado, de quem nunca tinha notado a diferença… eu e ela rimos e eu respondi: é sim, filho, a nossa é meio branca, meio amarelada, cada um é de um jeito, mas isso faz alguma diferença? tem alguma importância? ele disse que não e voltou a abraçá-la… mas o que nós duas achamos interessante é ver que até então ele nem tinha percebido essa diferença, porque no fundo, não é isso que importa…

  13. shirlei faria pinto says:

    É duro! Morava em Botafogo, Rj, peguei um táxi para levar uma mesa que comprei numa loja. O motorista perguntou se eu morava lá em cima, lá em cima é no subúrbio, como se diz por aqui, eu disse que não, que morava no endereço que tinha dado para ele me levar, Botafogo. Ele disse: Ah! pensei que vc morava lá em cima, como eu. Presencio cenas de mulheres brancas protegendo suas bolsas em locais que entro, na zona sul do Rj. É chocante. Por mais que achemos que estamos vacinadas, dói e muito.

  14. sempre sofrir preconceito mas nunca me importei muito , sei lá eu sempre me valorizava muito por sempre me destacar apesar na minha cor , sempre fui a primeira da escola em todos os anos e sempre era a única a fechar o ano com 100 pontos ou 98 ou seja ,quando não me esforçava muito só perdia 2 pontos em uma ano letivo .
    mas as coisas começaram a mudar quando minha bebê nasceu minhas amigas , vizinhas e conhecidas a anos quando olhava minha filha a primeira coisa que falava era ” nossa ela é tão moreninha neh” eu respondia mesmo você quer que minha filha seja branca sendo que eu e o pai é negro , não entendia e até hoje não conseguir entender , pois sempre que escutava isso sentia raiva de mim mesmo por ter um filho negro e saber que ele vai sofrer muito na vida , pode morar num condominio luxuoso , fazer balé , nataçaõ escola particular mas sempre vai ser visto como uma negrinha , e quando as minha s amigas , vizinhas , simplismente deletei , se não entende a minha raça não mereçe ser meu amigo , me afastei pois não queria toda vez que escutasse o tal moreninha não sentisse mas orgulho de minha princesa …

  15. William Reis says:

    Sua vizinha tem problemas e isso é certo.

    Estou cansado também desses ensinamentos que o negro só pode se destacar através de esporte e cultura(nada contra) mas também podemos ser reconhecidos intelectualmente, isso se nos for dado educação que merecemos.

    O que temos que fazer com nossas crianças negras é conscientizar de que nossa historia, luta e cultura é LINDA e que desde cedo devemos ter orgulho sim de sermos negros, muita gente morreu pra gente ta aqui hoje e eles nao podem ser esquecidos. Seu filho com certeza deve ser muito bem orientado, eu infelizmente não fui orientado quando criança e só depois dos 20 anos tive consciencia do que MEU POVO passou pra eu ta aqui hoje.

    Tenho obrigação de passar essas informações pra crianças de tudo que o negro brasileiro passou. PS:sua vizinha tem problemas, aconselhe ela a procurar um bom medico.

  16. Jaqueline says:

    Trabalho co formação de professores.
    Digo para mim mesma, todos os dias, que meu trabalho é militância, que, independente de onde vou e que componente lecione, eu procuro combater o racismo…
    Mas, às vezes, vendo o mundo e lendo depoimentos como o da Tatiana, pergunto se esse esforço todo tem dado resultado algum…
    As professoras são racistas, as famílias são racistas, meus colegas professores universitários são racistas.
    Outro dia, falando com um amigo sobre meu projeto de pesquisa de doutorado (e pesquiso comunidades quilombolas), ele me disse: “você é tão boa, capaz…vá estudar outra coisa, larga de estudar o negro…já deu””
    Senti a mesma coisa que a Tatiana, ao ver seu desenho rasgado…Me sinto muito só, às vezes…

  17. Ignorante não é só quem possui comportamentos grosseiros; que é estúpido ou rude. IGNORANTE é também aquele que ignora um realidade, não quer se comprometer com ela… E existem vários destes por aí. Quando falamos do racismo no Brasil, tem gente que desconversa pois não quer se envolver… é ignorante, no sentido de ignorar!!! Se posicionar contra o racismo não é ficar ao lado do negro, é ficar a favor de uma sociedade mais fraterna e plural, onde todos possasm ter os seus sonhos REALIZADOS!

  18. Sofia Pompei says:

    Eu sempre fui taxada de machinho,tenho idéia de como é.Meus pais são gente simples do interior então sempre escutei besteiras de colegas de classe. Ainda mais antes deles voltarem,eu era taxada de filha de puta. A criança não aprende isso sozinha,só aprende com um pai mal intencionado.Um beijo pra você,espero que isso melhores com vocês como melhorou comigo, o respeito que me deram quando virei adolescente me ajudou muito a conviver em sociedade.E diga ao seu filho : “Se os iguais te criticam é por que querem ser diferentes.” Era o que minha mãe me dizia.

  19. Isabela says:

    O pior é que na cadeia a pessoa só vai aprender que não pode expressar o racismo e não eliminá-lo de dentro de si. É triste! Se a própria Escola já valorizasse o negro na nossa história mesmo, não omitindo os heróis negros, já seria uma grande coisa! E óbvio, exercício de cidadania desde sempre! Faltou tudo! Maria Rita, você não pode dizer para essa senhora que ela está sendo racista e ameaçar denunciá-la na próxima? Certeza que ela não irá mais esquecer… rs rs Não sei, é uma ideia…

  20. Ted Bill says:

    Oi, Maria Rita! “Belo” texto, como quase todos aqui deste blog, senão todos! Cabe realmente a nós impedir que nossas crianças perpetuem o processo de preconceitos diversos existente no mundo todo. Discipliná-las, educá-las, dar-lhes a compreensão desde cedo, as tornam serem humanos mais capazes de melhorar o mundo tal como nós não conseguimos em profundidade. Ainda acredito!

  21. lieida says:

    A ex mulher do meu esposo está ensinando a filha deles a me chamar de macaca… Oq me deixa muito irritada não só pelo racismo em si mas, também pelo monstro que ela está criando… Eu e ele não conseguimos combater já que ela não tem uma convivência assídua conosco. Minha pergunta é eu tenho como combater isso legalmente? Se sim, como posso combater essa forma de racismo? PS.: a menina tem 3 aninhos

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